domingo, 24 de julho de 2011

Amy Winehouse interrompida.

A música, morada do gozo, se encontra no fundo, fundo do inconsciente, como a manifestação privilegiada da arte, que pulsa por todos nós, aliviando as tensões. Essa era a arte de Amy. Sua voz se calou e vimos sua escalada ao templo das divas ser interrompida. Como outros ícones, limitou-se a poucos 27 anos de vida. Acompanhamos os escândalos e a degradação, em todas as esferas, em sua relação com a sociedade. 
Por ironia ou consequência, Amy prenunciava no próprio nome familiar – Winehouse - sua saga com a substância entorpecente e com a vida. Nesse descaminho, refletiu na sua criação Rehab a inconsistência da reabilitação nos moldes em que vinha sendo realizada, apontando sua dor para a insuficiência paterna em não intervir tão efetivamente em sua vida como seus “pais musicais simbólicos” haviam feito – Ray Charles e Donny Hathaway.
They tried to make me go to rehab,
But I said 'no, no, no'
Yes, I've been black, but when I come back
You'll know-know-know
I ain't got the time
And if my daddy thinks I'm fine
He's tried to make me go to rehab
But I won't go-go-go.
I'd rather be at home with Ray
I ain't got seventy days
'Cause there's nothing
There's nothing you can teach me
That I can't learn from Mr. Hathaway
I didn't get a lot in class
But I know it don't come in a shot glass
Cada sujeito, na toxicomania, estabelece uma relação diferente com sua substância de escolha. Os movimentos compulsivos, repetitivos e progressivos, exigem cada vez mais o estado de prazer – o estado de Nirvana, capturado do budismo para simbolizar a libertação do sofrimento, a busca do êxtase máximo. E o caminho da pulsão, ensina Lacan, é transgressor, como diz Amy: não quero me perder do bebê(r), por isso deixo a garrafa por perto.
The man said "why do you think you're here?"
I said "I got no idea.
I'm gonna, I'm gonna lose my baby,
So I always keep a bottle near."
He said "I just think you're depressed,
Kiss me here, baby, and go rest."
Ceder à exigência de prazer ou atender à proibição de não beber novamente? A saída estratégica é recorrer a objetos (drogas) que, aparentando serem controlados inicialmente, satisfaçam à exigência pulsional. Ledo engano, uma vez que nenhum objeto ou substância pode cumprir essa missão, pois o princípio do prazer se caracteriza pela impossibilidade de satisfação. E o sujeito pede mais, mais, mais: a garrafa à mão é bem mais fácil do que encontrar um amigo.
Este é um convite a olharmos com mais atenção e respeito aos sujeitos da arte. Como qualquer um de nós, eles portam dificuldades e trazem apelos, difíceis de serem escutados, pois se travestem de personagens que nos deliciam e nos cegam.
It's just 'til these tears have driedI don't ever want to drink again
I just, ooh, I just need a friend
I'm not going to spend ten weeks
And have everyone think I'm on the mend
It's not just my pride

quinta-feira, 24 de março de 2011

Música e Psicanálise

O fundo musical subjaz aos sentimentos, emerge nos momentos de transbordamento e - quando falta a palavra - nos transporta das letras às notas.
Aquela que toca o coração, aquela que - só ela - exprime o indizível. Apaziguada-dócil ou subversiva-arrebatadora se escuda no simbólico para representar.
Ali no fundo, paira fascinante, associada às imagens, aderida às percepções, mas autônoma e onipotente. Bem no fundo, transita livre - da felicidade extrema à insuportável tragédia - fazendo ela-mesma brotar os sentimentos e esvair-nos no imaginário.
A música, morada do gozo, se encontra no fundo, fundo do inconsciente, como a manifestação privilegiada da arte, que pulsa por todos nós, aliviando as tensões.
Ali, bem no fundo, espreita a música, que traz o resto, dando a nós um fragmento do real.

http://www.facebook.com/georgeanabonow


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terça-feira, 1 de março de 2011

Buscar o cisne negro dentro de si.

No excelente filme - dirigido por Darren Aronofsky e estrelado por Natalie Porter – essa solicitação dirigida para Nina foi a queda insuportável da bengala imaginária (auto-erótica) que sustentava a jovem bailarina psicótica e a permitia levar uma vida mais ou menos organizada. Sua saída sempre fora se situar no ideal de “boa menina”, de cisne branco.

Ao ser solicitada a provocar a emergência do cisne negro, Nina desencadeia seu encontro com o real não simbolizável e vê desabar sua identificação com o significante líder de sua existência: boa menina. Essa operação a leva ao surto psicótico, momento em que, em sensacional inversão, somos nós-mesmos, os espectadores, levados a não conseguir mais distinguir as fronteiras entre verdade e delírio. Deslizamos no delírio de Nina e assim passamos a entender a dor do surto psicótico.
Fora do discurso, a personagem mostra sua impossibilidade de transitar nos laços sociais, medir relações, equilibrar-se e se submeter ao jogo social. Alucinação, delírio e arte são tentativas de simbolizar aquilo que não consegue ser dito e sempre na linguagem referida ao corpo, sob os ideais maternos. Tentativas que se mostraram inúteis para restabelecer os vínculos rompidos e resgatar a estabilidade com que vinha conduzindo sua vida.
Na luta entre os cisnes, ao tentar romper com a "boa menina",  o corpo se deforma e sua organização de vida se desvanece.
Não é à toa que é no espelho que se despedaçam os cisnes branco e negro, momento em que Nina se assume (totalmente identificada) o significante do ideal traçado pela direção do balé: o cisne negro.
Foi perfeito, diz ela.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Onde a Psicanálise e a Arte se encontram

Na literatura psicanalítica, tem sido relativamente comum estudar artistas e suas obras, capturados da arte, para aprofundar conceitos da psicanálise. Tanto Sigmund Freud (1856-1939), como Jacques Lacan (1901-1980), em suas obras reconhecidamente referências dos conceitos prevalentes da psicanálise, olharam com profundo interesse para as artes e delas retiraram elementos importantes sobre os processos mentais. A experiência psicanalítica se dá pela linguagem, arte é linguagem, daí compartilharem de um lugar comum: ambas oferecem ao Outro uma interpretação, um sentido, e dele obtêm o silêncio, a falta que reorganiza e que permite a emergência do sujeito.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Novos sentidos.

O que o discurso analítico faz surgir é justamente a ideia de que o sentido é apenas aparência. [Lacan, 1973]



Realmente, o que mais se percebe na clínica é a importância do trabalho de “desmanchar” umas verdades que estão cristalizadas na vida das pessoas e, de maneira geral, são impeditivas do desenvolvimento e liberdade.
A interpretação de alguns fatos é comprometida com uma estratégia de fazer parar e aprisionam a pessoa em apenas um lugar.
“Não posso, não consigo, não vai dar certo, sempre é assim comigo, tenho medo, isso eu já conheço ...” Comentários tão comuns.
Então, prá que mudar?
Esse contrato com o ócio mental precisa ser quebrado e tomar outro sentido. Isso só pode acontecer quando se rompe com sentido o fácil. Quando se desliga o pensamento automático para se refletir sobre como melhorar. Há outros possíveis caminhos.
Costumo dizer que é preciso sair do banco do carona e assumir a direção. A direção da própria vida. Impecilhos, dificuldades, erros – tudo isso faz parte do viver.
Mas, quando se escolhe aonde se quer chegar (ainda que se mude no caminho e isso é muito saudável), o desafio vale a pena.
É descobrir que as certezas cristalizadas são apenas meras aparências.

[Quadro de Salvador Dali.]