domingo, 26 de fevereiro de 2012

SEMANA DE ARTE MODERNA: 90 ANOS


Lacan (1960) propõe a dúvida: a arte imita o que ela representa? Como imitação, a arte seria mais-que-real, é surreal. Ele mesmo mostra que vai além de apenas imitar, pois quanto mais o objeto é presentificado, enquanto imitado, mais nos abre ele a dimensão onde a ilusão se quebra e visa outra coisa. Faz surgir um objeto lustral, purificador, renovando sua dignidade, consertando a realidade.
A arte moderna se diferencia por convocar o espectador à incômoda invasão no interior do artista, desconhecido e imprevisível, que não é dado facilmente e exige um esforço a mais. A conhecida realidade não é fotografada pelo discurso do belo, mas envolve o sensório submetido ao imaginário do pintor explicitado por meio de sua re-criação estética. Lacan (1960) nos conduz a analisar o mistério sobre Cézzane e suas maçãs, a repetição do tema, aprimorando sua relação com o real, apontando para a permanente renovação guiada pela imaginação.
Eu proponho que olhemos a Homem Amarelo, de Anita Malfatti, como o brasileiro legítimo, tal qual Macunaíma: tropical, corajoso, multifacetado e polêmico. Neles, aperfeiçoávamos nossa relação com nós mesmos, com o mundo, com o real, gigantizado como Abaporu.
Quantas estruturas foram balançadas?
Quantas sementes lançadas?
Quanta certeza caída por terra para dar lugar ao novo?
A Semana de Arte Moderna parece menor sob a ótica de fevereiro de 2012, hoje representada por idosas telas e heróis empoeirados. Poucos tributos a eles, homenagens reduzidas a lembranças de museus, e reconhecimento limitado.
Até nossos dias, com tanta modernidade, ainda se torce o nariz ao diferente, àquilo que a estética determina que não é o belo sob sua tradicional vestimenta
Para muitos (e me incluo), não foi apenas um movimento, mas “O” movimento que disseminou tantos outros, que libertou nossa inspiração, que nos livrou da obediência ao pai europeu, tingindo de verde-amarelo nossas telas.
Nossa metamorfose.   

domingo, 22 de janeiro de 2012

Meia-noite em Paris

Meia noite em Paris foi a autorização que Allen se deu para alucinar a mais deliciosa aventura intelectual possível: encontrar com ídolos da arte do passado e com eles tecer um presente mais seguro.
A atemporalidade é a magia que permite o artista (escritor) passear entre aqueles que marcaram sua estética e, acima de tudo, ouvir sua opinião sobre temas sedutores à sua obra.

Como ultrapassar e viver a plenitude do tempo atual, sem ficar se reportando ao passado? Como permitir surpreender-se com o novo, sem entendê-lo como ameaçador? Como voltar ao passado e dele sugar memórias enriquecedoras, sem fixar-se na melancolia?
Não é saudosismo, nem modernidade, é simplesmente compreender o artista como deslocado de tempo, sempre atual e pleno de mensagens, seja de que época for.
Poderia ser assim em nossas vidas.

Sentimos o incômodo por depender de tantas inovações tecnológicas; em lidar com valores sociais mudados e diferentes das certezas responsáveis por limites construídos ao longo da vida. Tudo parecia mais claro antes. Tudo era mais próximo das leis passadas pelos pais, portanto mais palatáveis e sem muitas perguntas. Repetimos as vantagens do que chamamos de “no meu tempo”. Esses limites, fixados imaginariamente, passaram a indicar a zona de conforto, a recortar as fronteiras de nossas existências, aparentemente intransponíveis. Daí, o medo, a ansiedade, a estranheza de caminhar e escorregar fora da linha. Temos o horror imaginário, deliberadamente criado por se dimensionar os riscos de sair desse território seguro e conhecido: até hoje fui assim, agora está tarde para mudar.

Por outro lado, a forma de obsoletismo com que tratamos o que se foi no tempo não permite usar essa experiência tão rica para abrir oportunidades. Os milênios que nos antecedem são pródigos em modelos e metáforas para a vida de hoje.
Bem-aventurados os artistas que antecedem o comportamento social e privilegiam seu passado para abrir novos caminhos.

Como o inconsciente, a arte é atemporal.