domingo, 7 de abril de 2013

A maçã e o desejo feminino.


A maçã do amor, o fruto proibido guarda tanto simbolismo ao longo das gerações.

Para ser desejada, foi vetada à mulher, demarcando um limite, estabelecendo uma porta à transgressão, denunciando uma divisão.

Assim, tornou-se signo da violação da lei, do crime feminino, do caminho ao sexo, à erotização mítica, ao objeto fálico.

As tentadoras maçãs, em seu fascínio, são sempre apresentadas por outras figuras femininas poderosas - a serpente, a bruxa, a madrasta - representações do mal, portadoras de um saber envolvente, irresistível, uma vez que já foram eleitas por um homem.


Eva, a mente de maçã, 2008 - Applemind
Óleo s/ tela, 50 x 60 cm - Surrealismo Anacrônico


Não obrigam, não invadem, não agridem, somente apontam uma insatisfação desconhecida, um desejo mais íntimo, o gozo. É um apelo a algo que está significado por uma outra mulher como uma verdade, a nomeação de uma falta aparentemente mais-além dela, um gozo específico.

O objeto oral, que desempenha um papel essencial nas trocas com o Outro, equaciona na maçã uma fórmula de satisfação que se repete, uma espécie de rito de passagem à feminilidade, à vida amorosa.

A maçã é o desejo de desejar, é o desejo feminino.

terça-feira, 19 de março de 2013

Angústia e Arte.


Angústia é afeto ligado à perturbação, um afeto que não se engana, de grande interesse à psicanálise e à criação.

De que matéria é feita a angústia?
 
Ela é esculpida na dor da falta e é lançada ao Outro com a pergunta: o que quer de mim? A resposta interior é uma suposta manifestação do desejo do Outro, uma bússola que suaviza o mal-estar.
 
Cada um de nós encontra o tamponamento do buraco da falta, nomeando-o de – dinheiro, João, Maria, Prozac, Iphone5, Ferrari, comida, ginástica, droga – recobrindo sempre de forma passageira, insatisfatória, incompleta e ávida por mais e mais.

(Angústia - E.Munch - 1894)
 
A arte também se  constrói na angústia, na insatisfação, no questionamento, na falta. E quem é o artista senão aquele que se propõe, por alguns instantes, a promover uma resposta, a recobrir a tela em branco para, a seguir, voltar à falta?

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é Carnaval


Quero confrontar alguns elementos do conceito de fantasia para a psicanálise e a fantasia que surge nos blocos de rua, nas passarelas da avenida, nos olhares dos foliões.
O Carnaval é o período de licença para a fantasia, transbordamento do interior do sujeito, um ato falho, simbolizado no descolamento da realidade por três dias.
- Quem é você?
- Adivinha, se gosta de mim! (Chico Buarque)


É o diálogo entre analista e analisante, no qual o inconsciente é a bússola que indica por onde seguir. O inconsciente determina o sujeito a partir da constituição da fantasia, faz com que ele vislumbre o mundo sob esta ótica própria. A fantasia emoldura, enquadra a realidade.

A fantasia é um dos conceitos que fundamentam a psicanálise, desde que Freud ensinou que a realidade é a realidade psíquica, isto é, a de cada um de nós. 

 
Baile Popular - Di Cavalcanti

A criança em crescimento, quando para de brincar, só abdica do elo com objetos reais; em vez de brincar, agora ela fantasia. Constrói castelos no ar e cria seus devaneios. A diferença das fantasias entre crianças e adultos é que crianças não ocultam o desejo que a fantasia representa, mas os adultos envergonham-se de suas fantasias por serem infantis e proibidas. (Freud)

Mas, no Carnaval, elas emergem como sonhos, harmonizadas com censura interior, legitimadas pela sociedade, e se espalham pelas ruas.

Carnaval? Deixei a dor em casa me esperando. E brinquei e gritei e fui vestido de rei. Quarta-feira sempre desce o pano. (Chico Buarque)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Exposição do impressionismo termina com recorde de público.

Atitude!

Moderna e arrojada era a conduta dos  impressionistas para sedimentar novos olhares à sociedade ainda tão fechada.  Artistas  instruídos,  profundamente estudiosos nas técnicas e movimentos que os antecederam, romperam com as poéticas passadas e abriram-se à experiência do ar livre, libertando-se da solidão dos ateliês em busca hábitos e valores das classes menos abastadas que não frequentavam os salões de arte. 
Monet, Renoir, Degas, Cézanne, entre outros, foram reunidos num movimento que tomou o desafiante e criticado quadro de Degas: Impression, soleil levante (1872, imagem). O impressionismo foi uma investigação sobre as possibilidades técnicas, cientifizando cores e temas do mundo moderno, predominantemente trabalhadas às margens do Sena. Ignora-se claro-escuro e não há distinção entre positivo e negativo, ou luz e sombra, há efetivamente manchas que se justapõem , em firmes  e significativas pinceladas.
A pergunta que não quer calar é: por que mais de meio milhão de pessoas, cidadãos comuns como os retratados pelos impressionistas, aguardaram horas (chegando a 8 horas) nas filas ziguezagueantes pelos entornos do CCBB para fruírem desse acervo?
Podemos chamar de sedução a força que a arte exerce sobre nós? Neste caso, espectadores desfalecidos pela pulsão escópica, registram a obra de arte como puro objeto de desejo, simbolizado na felicidade da ilusão de ver-se vendo.
Por outro lado, estaríamos consumindo em massa, mais um gadjet produzido por outra força – a do capitalismo – tão perfeitamente articulado no discurso da histeria?

Não vamos negar a perplexidade que amantes da arte foram tomados ao perceberem tal acolhida da população. Nesse caso, o público brilhou e dividiu o protagonismo do evento. Que sirva de estímulo para novas iniciativas.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Frida Kahlo

Lacan contrapõe à experiência do belo, a implacabilidade do sublime, no qual não se dá a contemplação agradável e, sim, a experiência de uma dilaceração. Está ligado a uma pungente revelação, a tal dignidade da Coisa não é apaziguadora, mas nos joga na cara nossa frágil e violenta condição humana .
A arte de Frida Kahlo é espelho. Seus autorretratos refletem - mais do que uma mulher, mais do que a dor que arrebatava seu físico, mais do que a emoção de uma amor destrutivo e gozador, mais do que uma revolucionária política - refletem a condição humana a que estamos expostos.
Essa é a beleza e a dificuldade que temos diante de sua obra.
Futura estudante de medicina, com sequelas de uma poliomelite, sofreu um terrível desastre. Sua recuperação sobre uma cama de baldaquim permitiu um encontro com a arte. Sobre a cama pendia um espelho que revelou dor, beleza, cores e formas.
- Viva a vida! É a mensagem que deixa um pouco antes de morrer.