quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Tarsila do Amaral e a Negra.

Embora transitando nos salões mais selecionados europeus e brasileiros, mergulhada em fama e sucesso, a sofisticada Tarsila de Paris busca a simplicidade quase tosca das cenas de infância. Distante dos momentos da fazenda, eles estavam presentes no seu mundo imaginário, transportado para a tela, criando uma de suas mais emocionantes obras, precursora da obra antropofágica: a negra.
Minha força vem da lembrança da infância na fazenda, de correr e subir em árvores. E das histórias fantásticas que as empregadas negras me contavam. (Tarsila do Amaral)
A Negra diz sobre as questões da sua infância.
Surge avassaladora, com o signo da deformação, da exacerbação de formas, e vem anunciar os elementos étnicos, a cor de sua terra, sutilmente adornada pela folha de bananeira. Os lábios carnudos e o seio alongado são destaques em primeiro plano, forte impressão que remonta à escrava que amamenta os filhos nas costas, relatado por Tarsila como uma das visões que mais a impressionavam na infância: os seios da ama-de-leite mamã-Balbina.
Modificações corporais apresentam membros superdimensionados unidos a uma atitude de imobilidade, que serão sempre relacionados aos personagens brasileiros da artista, entre os quais, a Negra ocupa o lugar de melancólica sensualidade.
Tarsila, anos depois, refere-se à Negra como prenúncio da fase antropofágica que se seguiria.
Descreve sua própria tela:
Figura sentada com dois robustos toros de pernas cruzadas, uma arroba de seio pesando sobre o braço, lábios enormes, pendentes, cabeça proporcionalmente pequena (Tarsila do Amaral).
Argan (1992) sugere que o pintor não escolhe suas cores segundo um critério de verossimilhança, mas de extrema liberdade na qual atribui um juízo, uma postura moral, afetiva, em relação ao objeto, como se apresenta à sua percepção, inclusive com a deformação ou distorção, por vezes agressiva e ofensiva, que não é ótica: é determinada por fatores subjetivos e objetivos.
Revela Tarsila nesse momento (1923) em Paris, onde produz a tela:
Sinto-me cada vez mais brasileira: quero ser a pintora da minha terra. Como agradeço por ter passado na fazenda a minha infância toda. As reminiscências desse tempo vão se tornando preciosas para mim. Quero, na arte, ser a caipirinha de São Bernardo, brincando com bonecas de mato, como no último quadro que estou pintando (Tarsila do Amaral).
A função do belo nos abre os olhos e talvez nos acomode quanto ao desejo, dado que ele mesmo está ligado a uma estrutura de engodo (Lacan, 1960).
Lacan contrapõe à experiência do belo, a implacabilidade do sublime, no qual não se dá a contemplação agradável e, sim, a experiência de uma dilaceração. Está ligado a uma pungente revelação, a tal dignidade da Coisa não é apaziguadora, mas nos joga na cara nossa frágil e violenta condição humana (Rivera, 2008).

Referência das falas de Tarsila:
AMARAL, Aracy. Tarsila: sua obra e seu tempo. São Paulo: Ed.34; EDUSP, 2003.

Um comentário:

  1. Marta Elisabete Barros de Melo22 de novembro de 2011 às 04:37

    Entrei por acaso no teu blog, pois estou procurando algo, que ainda não tenha sido identificado no quadro " A Negra " de Tarsila do Amaral, para poder elaborar minha monografia de final de curso ( estudo História da Arte, na UFRJ ) . Já pensei muito em abordar o tema sob o viés psicológico, mas está faltando " aquele gancho "...quem sabe você poderia me dar " uma luz "? Gostei muito da tua abordagem. Parabéns!
    Meu e-mail é: martaebm@yahoo.com.br, caso queira conversar informalmente.
    Att, Marta Elisabete.

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